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terça-feira, 8 de setembro de 2020

Da Nazaré: lições de um peregrino em serviço

Eu era pequeno e já ouvia falarem de uma certa Nazaré de Portugal. Com o coração preenchido, totalmente abastecido com o fervor da devoção nazarena na minha terra, Belém do Pará, nunca fui atrás de saber mais... Entretanto, chegou o dia em que pude, enfim, conhecer o Município da Nazaré. 


Recém-chegado à Lisboa, posso dizer com todas as letras e vírgulas que foi Nossa Senhora da Nazaré quem me recebeu. Ocorreu que, meu voo chegau na capital portuguesa logo cedo, por volta das 6h. Pelas 10h eu já devia estar por Nazaré para algumas reuniões de planejamento do evento que eu estava a trabalho - a saber, estive com uma comitiva de paraenses participando de um evento promovido pela Câmara Municipal da Nazaré (uma espécie de prefeitura para eles), cujo objetivo era promover a candidatura do Culto à Nossa Senhora da Nazaré como patrimônio imaterial da humanidade, título conferido pela UNESCO. A presença de uma comitiva paraense seria, assim, uma grande expressão de apoio à candidatura, haja vista que somos a maior comunidade de devoção nazarena do mundo, vide o Círio de Nazaré.
Tendo feito chek-in no hotel e tomado um café numa saborosa padaria, à frente do mesmo, peguei a mochila e me pus a caminho da Nazaré, sem saber muito o que ia encontrar. Embora cansado - muito cansado após 13h de conexão em Brasília e mais 8h de voo -, fiz questão de ir com olhos bem abertos para enxergar tudo naquele caminho, afinal, eu estava em outro país, finalmente na Europaaaaa! 
Tudo belo! Me chamou a atenção uma cidade que tinha o nome de Caldas da Rainha - isso não tem nada a ver com o propósito deste texto, mas vai que vocês também achem engraçado, k k k. Ok, chegamos em Nazaré. A rodoviária fica logo no início da cidade. João Paulo Cruz era o jornalista que me acompanhava. Descendo do ônibus ele me disse: "olha, não sei você, mas eu gosto de andar, você se importa se não tomamos um autocarro?" (autocarro é como eles chamam os ônibus). Eu concordei de andarmos e... nossa! Escolha acertada, embora eu tenha me cansado mais ainda. 
Andando por Nazaré




Vamos, então, falar da cidade, antes de entrar na devoção mariana. Nazaré é bem mais famosa por ser a tal cidade das ondas gigantescas de recordes mundiais, o que atrai entre outubro e janeiro, muitos surfistas e espectadores de espetáculos marítimos. Ainda que tenha este potencial turístico, a cidade é pacata, simples e não esbanja grande luxo em suas habitações. Só se percebe o grande potencial turístico pela grande malha hoteleira e gastronômica da cidade costeira. Segundo o Google Maps, a cidade fica a 122 km de Lisboa. A passagem de autocarro não custou mais que 15 euros. Antes que perguntem, infelizmente eu não vi as ondas gigantescas. Alguns poucos colegas da comitiva chegaram a ver uma ou outra, no amanhecer. Mas, talvez, pelo nosso tempo super apertado por conta do evento que estávamos, acabamos por perder alguma. 
No município da Nazaré há uma tradição curiosa entre as mulheres. Conta-se que, à espera de seus maridos pescadores, elas usavam sete saias que iam tirando conforme as sete ondas gigantes que marcavam o tempo do retorno deles. Essa foi a versão que ouvi ao pé do ouvido. No site da Câmara Municipal, há uma melhor e mais ampla explicação: "As sete saias fazem parte da tradição, do mito e das lendas desta terra tão intimamente ligada ao mar. O povo diz que representam as sete virtudes; os sete dias da semana; as sete cores do arco-íris; as sete ondas do mar, entre outras atribuições bíblicas, míticas e mágicas que envolvem o número sete.
De facto, a origem não é de simples explicação e a opinião dos estudiosos e conhecedores da matéria sobre o uso de sete saias não é coincidente nem conclusiva. No entanto, num ponto, todos parecem estar de acordo: as várias saias (sete ou não) da mulher da Nazaré estão sempre relacionadas com a vida do mar.
As nazarenas tinham o hábito de esperar os maridos e filhos, da volta da pesca, na praia, sentadas no areal, passando aí muitas horas de vigília. Usavam as várias saias para se cobrirem, as de cima para protegerem a cabeça e ombros do frio e da maresia e as restantes a taparem as pernas, estando desse modo sempre compostas”.
É válido de memória também a apresentação cultural que presenciei por parte dos munícipes. Eles foram extremamente receptivos conosco e nos brindaram com uma noite cultural onde apresentaram a dança deles, uma coisa linda!!!! Nunca vi nada igual. Chama-se o corridinho e o vira, eles dançam descalços, como dançavam, na praia, pescadores e peixeiras, ao som dos rudimentares instrumentos usados nas festas da classe piscatória. 




Preciso ainda destacar o pôr do sol que tive àquele dia. Sem sombra de dúvidas, um dos mais lindos da minha vida. Tenho a leve impressão de ter sido o mais especial para mim até hoje. Deixo que as fotos expliquem a vocês o porquê...




Devoção - Desculpe o rodeio para chegar aqui, penso que seja legal ter falado das saias e do pouco que vi da cidade. Nazaré é muito mais que mar e saia! Nazaré é Nazaré: casa da Virgem Maria,lar de uma família: a cristã!

Cheguei ali com a câmera na mão e com o coração no Céu! Descobri, então, tudo o que tinha ignorado saber na infância. A devoção a Nossa Senhora em Portugal é muito mais antiga que a devoção a Nossa Senhora de Fátima (103 anos). O início da devoção nazarena remonta ao Século XII, quando em 14/09/1182, por um milagre, Dom Fuas Roupinho, um nobre guerreiro que cavalgava (em atividade de caça) em um penhasco encoberto por um nevoeiro, teve sua vida salva após invocar a proteção da Doce Maria: "Senhora, valei-me!", disse ele ao perceber que estava em uma falésia pronto a cair por mais de 100 metros em queda livre, no exato local onde havia numa gruta, uma imagem da Virgem Maria (imagem que acredita-se tenha sido esculpida por São José e peregrinado por diversas partes do mundo, partindo da Galiléia até chegar em Portugal trazida por um frade). Desta invocação feita no chamado "Bico do Milagre", Dom Fuas não despenhou-se e soube ser grato por isso, mandou seus companheiros erguerem ali uma capela, o que hoje é chamada Ermida da Memória (foto abaixo). Ao pegarem pedras para a construção da ermida, os homens acharam um cofre com relíquias de São Brás e São Bartolomeu e um pergaminho que dava a autenticidade da imagem. A imagem, pode ser assim, o ícone mais antigo de devoção mariana no mundo.




Em 1377, o rei dom Fernando mandou construir uma Igreja próximo à Ermida. A Igreja comportaria mais gente, haja vista o alto número de devotos que por ali passavam. Conta-se que até São Francisco Xavier, Pedro Álvares Cabral e Vasco da Gama (tanto antes, quanto depois de descobrir a Índia) passaram por Nazaré para rezarem.






A Igreja que hoje ganhou o título de Santuário é belíssima. Está em formato de cruz latina, possui mais de .6.500 azulejos importados no Século XVII da Holanda. O atual reitor é o Pe. Paolo Lagatta, um italiano e jovem padre, com pouquíssimos anos de ordenado. A Igreja possui ainda relíquias, imagens doadas pela rainha Leonor de Áustria que passou pelo local e deixou de oferta tais lembranças antes de ser Rainha da França. No altar-mor conserva-se a imagem original, já em estado avançado, mas com toda dignidade que merece aquela representação simbólica da Mãe de Deus. É possível subir com autorização do Reitor, somente. O acesso se dá por uma escada pela Sacristia, outra obra de arte o templo, repleta de azulejos brancos e azuis e móveis dos séculos medievais. A Igreja, a Ermida da Memória e o Palácio Real, uma casa que já serviu de abrigo aos reis e rainhas que passaram ali em veneração à Virgem, compõem o que os portugueses chamam de Sítio da Nazaré, local que tive a graça de conhecer e espero, um dia voltar, acompanhado, quem sabe, por você que até aqui acompanhou meu relato...



Permitam-me um apêndice com imagens da Senhora da Nazaré que compõem um acervo no Museu da Igreja, são imagens belas e históricas. Infelizmente, a maioria eu cortei na foto os textos-legenda com o histórico... Perdão!