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quinta-feira, 22 de outubro de 2020

O Anjo da Igreja de Belém


Dom Vicente Zico na Capela da Residência Arquiepiscopal de Belém. Foto: Luiz Estumano.


           
Quanto cabe de saudade dentro de uma data? O 22 de outubro é, sem dúvida, um daqueles dias marcados da lembrança de um anjo que, cá na terra conosco esteve, e fez de Belém sua casa por mais de três décadas. Dom Vicente Zico chegou na capital paraense no começo do ano de 1981. Deixou esta cidade só quando partiu para a Pátria Celeste, donde ninguém nunca duvidou que lhe havia um lugar, em 04 de maio de 2015. Se vivo estivesse, em um dia como hoje (22/10), "Dom Zico" estaria celebrando conosco seus 70 anos de vida sacerdotal. Mas quem é que duvida que hoje o Céu une-se a nós, Igreja Celeste e Igreja Terrestre, unidas e alegres celebrando os 70 anos de um sacerdócio fecundo que deixou rastros de Deus em todos que direta ou indiretamente foram tocados por este servo de Deus?

            Não há de se negar, o ministério sacerdotal de um padre ultrapassa a efêmera vida terrestre do mesmo. Quando fecundo, pode o padre não estar mais fisicamente conosco, mas seu legado permanece vivo em nosso meio porque transpareceu naquele sacerdote a face, o amor e o carinho de um Deus imortal.

            Com Dom Zico foi assim: nascido em Luz-MG em 27 de janeiro de 1927, numa família católica, aprendeu de seus pais, Zico e Anita, o valor da fé e o dom da partilha com seus sete irmãos. No túmulo de sua mãe, no Cemitério de Bonfim-MG, compreendemos o contexto daquele lar: "Esposa e mãe, fez da vida um grande altar e fez do lar uma floração de amor dos oito filhos, que geração bendita! Uma filha é religiosa carmelita. E três filhos são Ministros do Senhor!". De fato, Belchior e Tobias, seus irmãos, logo cedo descobriram a beleza do serviço ao Senhor e iniciaram os estudos no Seminário do Caraça, em Minas Gerais. Tocado pelas palavras lidas em cartas enviadas por seu irmão Belchior (que mais tarde tornou-se bispo também), Dom Vicente aos onze anos também foi para o mesmo Seminário de seus irmãos, posteriormente foi estudar Filosofia e Teologia no Seminário Maior de Petrópolis, da Congregação da Missão (Padres Lazaristas). Neste ínterim, viu eclodir a Segunda Guerra Mundial e a convocação para se alistar no serviço militar, o que exigiu-lhe pesados treinamentos e, pasme, até escola de tiros de guerra. Passou a guerra. Não passou, entretanto, a vontade do jovem Vicente de alistar-se ao exército de Nosso Senhor cuja conquista almejada eram almas, cada vez mais almas. E assim, em 22 de outubro de 1950, na cidade de Petrópolis, foi ordenado presbítero da Santa Igreja, recebendo o Sacramento da Ordem pelas mãos de Dom Jorge Marcos de Oliveira, então Bispo Auxiliar de São Sebastião do Rio de Janeiro. Era o começo de uma jornada de bênçãos.

            O início do seu ministério sacerdotal foi marcado pela formação de novos padres dentro de sua congregação religiosa. O Padre Vicente Zico ocupou cargos de prefeito de Seminário e professor entre os estados nordestinos do Pernambuco, Maranhão e Ceará. Depois foi eleito conselheiro provincial da Província Lazarista do Rio de Janeiro, e posteriormente eleito conselheiro geral da Congregação da Missão, na Cúria Generalícia em Roma, Itália. E nesse cargo ele esteve até 05 de dezembro de 1980, quando foi nomeado pelo Papa João Paulo II, o Arcebispo Coadjutor da Arquidiocese de Belém-PA. Recebeu a ordenação episcopal um mês depois com outros dez bispos eleitos, na Basílica de São Pedro, em Roma, das mãos do próprio Papa, hoje santo, João Paulo II.

            E, se é pelos frutos que conhecemos as árvores (Lc 6,44), não temos dúvida que a santidade de São João Paulo II, a quem Dom Vicente sempre devotou profundo amor filial, germinou também santidade no ministério do bispo mineiro que, no Pará, realizou-se.

            Profundo devoto de Nossa Senhora, não tardou para que ele se apaixonasse pelas terras morenas onde encontrada foi, por um caboclo, a pequena imagem daquela que seria Rainha da Amazônia. Imaginemos quanta graça para um sacerdote, devoto da Virgem Santíssima, exercer seu ministério nesta Arquidiocese... “Cum Maria Matre Iesu”, seu lema episcopal que demonstrava o programa de sua vida: em Belém, caminhar sempre com Maria, a Mãe de Jesus.

            Dos outubros que guardam histórias, chega também à memória a beleza do carinho de nosso povo por Dom Zico no momento que a Berlinda de Nossa Senhora de Nazaré ganha a Avenida homônima. A sacada de um apartamento no Edifício Manoel Pinto foi, por dez anos, a estação preferida do Arcebispo Emérito. Ali, daquele lugar, abundavam aos romeiros os sorrisos, acenos e – por que não? – lágrimas de um pastor que trazia consigo amor pelo seu povo. Até hoje, é impossível passar ali, em dia de Círio, e não recordar de Dom Zico. De modo espontâneo, quando os promesseiros da corda por lá passam, ainda gritam: “Dom Zico, Dom Zico, Dom Zico”. E até mesmo quem está “chegando agora” nesta vida de promesseiro da corda, grita e clama pelo “bom velhinho”. E certamente, do céu, ele continua distribuindo bênçãos, acenos e aquele sorriso inapagável da memória de quem o conheceu.

Dom Zico assistindo a passagem do Círio de Nazaré da sacada de um apartamento em 2013. Foto: Leonardo Monteiro.

            Assim era Dom Vicente Joaquim Zico: de fala mansa, mas eloquente na pregação da Palavra. Possuía uma retórica fabulosa. As homilias eram verdadeiras gotas de sabedoria. Mais que isso, a convivência com ele inspirava serenidade e doçura. Com Dom Vicente ao lado se reconstruía, em cada um de nós, a gramática da bondade, da ternura de Deus. Foi Santa Teresa de Calcutá quem disse que a ninguém é permitido sair da nossa presença sem se sentir melhor e mais feliz. Em Dom Zico estava a concretude destas palavras.

            Em 22 de outubro de 2014, Deus nos concedeu a graça de celebrar com Dom Vicente seu aniversário sacerdotal pela última vez. Nesta ocasião, em sua homilia, recordou as “felizes coincidências” da data de sua ordenação: o clima espiritual de Círio, a data de lançamento da pedra fundamental da Basílica Santuário de Nazaré (1909) e o início do ministério petrino de São João Paulo II (1978). A dada altura, disse ele: “estou consciente que a vida de um padre é vida exigente de ser testemunha de doação sincera a Deus, doação total, e manifestar – como gosta de falar o Papa Francisco – a alegria da doação, da missão”.

            Nesta certeza, nos prazerosos cinco anos de convivência que pôde ter com Dom Vicente, nosso Arcebispo, Dom Alberto Taveira Corrêa, o chamou várias vezes de “Anjo da Igreja de Belém”. Hoje, portanto, como dito no começo desta, unem-se Céus e Terras para, em coro uníssono, entoar louvores a Deus por ter dado a nossa Igreja de Belém, Dom Vicente Joaquim Zico. E, para finalizar, trago as palavras de São João Paulo II em missiva enviada a Dom Vicente, datada de 22 de setembro de 2000, por ocasião do Jubileu de Ouro Sacerdotal de nosso “Anjo”:

“Na tua vida iluminada pelo Evangelho, recordo alguns acontecimentos de maior relevo, informado dos teus dotes de inteligência (e de espírito) e das virtudes especiais que procuraste desenvolver ao longo dos anos, sempre solícito no cumprimento da vontade de Deus...”

Vivas a nosso Dom Zico, Anjo da Guarda de nossa Igreja Particular de Santa Maria de Belém!

 

·         Referências Bibliográficas:

 

FONSECA, Maria de Fátima da; BONNA, Mízar Klautau. Fragmentos da Vida de Dom Vicente Zico. 2ª ed. Belém: Marques Editora, 2011.

RAMOS, Dom Alberto Gaudêncio. Cronologia Eclesiástica do Pará. Belém: Gráfica Falangola, 1985.

ZICO, Dom Vicente Joaquim. Escritos Pastorais. Belém: Arquidiocese de Belém, 2000.

ZICO, Dom Vicente Joaquim. Homilia 22 Out 2014 Qua 18h Dom Vicente Joaquim Zico, CM Arcebispo Emérito de Belém. (15m40s). Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=KVFY4kiwFq8>. Acesso em: 21 out. 2020.

 


domingo, 11 de outubro de 2020

Círio-Sentido




Carregando a imagem nos braços, percebi que a própria Virgem Santíssima me carregava no colo... E tanta coisa eu pude ali lhe falar, sussurar-lhe a angústia de viver este Círio de modo diferente. 


Propus-me, então, a consagrar-lhe meus sentidos, como no cântico tradicional de consagração. 



- Consagro a vós meus olhos! 

Neste Círio, Senhora de Nazaré, muitos olhares se colocaram sobre tua pequena imagem. Quase sempre, marejados de lágrimas, estes olhos te expressavam a dor da distância física, a dor de saudade. 

Com meus olhos, Senhora de Nazaré, tive a responsabilidade de mostrar tua festa, capturar imagens que tentem registrar o milagre inexplicável da fé do teu povo. 



- Consagro a vós os meus ouvidos e minha boca!

Silêncio! Na Metrópole da Amazônia, Outubro é festivo, mas desta vez foi silencioso. Ali eu estava embalado somente pelo som da Tua Basílica e do cantar das aves, quis fazer daquele som a voz de todo povo que almejava estar ali gritando teus "Vivas". Diante da tua Imagem, pude eu falar contigo e sentir que falava em nome de tanta gente, tanta gente... Minha voz, então, tornou-se uma súplica por tantos familiares e amigos, gente querida que também te ama, Senhora de Nazaré.




- Consagro a vós o meu sentir!

O cheiro das rosas de tua berlinda, Senhora de Nazaré, me fizeram recordar o cheio do povo, perfume do povo (grego, Laos + nardo - Leonardo), que muitas vezes para nós pode ser desagradável, mas para ti é o mais perfeito sinal do amor-sacrifício, do amor que não conhece o limite quando é chamado à gratitude... Senti também tua Imagem em meus braços e me lancei ao teu colo, porque se nele está Jesus, eu também quero lá estar. 




Obrigado, Senhora de Nazaré. Somente, obrigado! ❤️ 

#cirio2020 #ciriodenazare #nazare #cirio

terça-feira, 8 de setembro de 2020

Da Nazaré: lições de um peregrino em serviço

Eu era pequeno e já ouvia falarem de uma certa Nazaré de Portugal. Com o coração preenchido, totalmente abastecido com o fervor da devoção nazarena na minha terra, Belém do Pará, nunca fui atrás de saber mais... Entretanto, chegou o dia em que pude, enfim, conhecer o Município da Nazaré. 


Recém-chegado à Lisboa, posso dizer com todas as letras e vírgulas que foi Nossa Senhora da Nazaré quem me recebeu. Ocorreu que, meu voo chegau na capital portuguesa logo cedo, por volta das 6h. Pelas 10h eu já devia estar por Nazaré para algumas reuniões de planejamento do evento que eu estava a trabalho - a saber, estive com uma comitiva de paraenses participando de um evento promovido pela Câmara Municipal da Nazaré (uma espécie de prefeitura para eles), cujo objetivo era promover a candidatura do Culto à Nossa Senhora da Nazaré como patrimônio imaterial da humanidade, título conferido pela UNESCO. A presença de uma comitiva paraense seria, assim, uma grande expressão de apoio à candidatura, haja vista que somos a maior comunidade de devoção nazarena do mundo, vide o Círio de Nazaré.
Tendo feito chek-in no hotel e tomado um café numa saborosa padaria, à frente do mesmo, peguei a mochila e me pus a caminho da Nazaré, sem saber muito o que ia encontrar. Embora cansado - muito cansado após 13h de conexão em Brasília e mais 8h de voo -, fiz questão de ir com olhos bem abertos para enxergar tudo naquele caminho, afinal, eu estava em outro país, finalmente na Europaaaaa! 
Tudo belo! Me chamou a atenção uma cidade que tinha o nome de Caldas da Rainha - isso não tem nada a ver com o propósito deste texto, mas vai que vocês também achem engraçado, k k k. Ok, chegamos em Nazaré. A rodoviária fica logo no início da cidade. João Paulo Cruz era o jornalista que me acompanhava. Descendo do ônibus ele me disse: "olha, não sei você, mas eu gosto de andar, você se importa se não tomamos um autocarro?" (autocarro é como eles chamam os ônibus). Eu concordei de andarmos e... nossa! Escolha acertada, embora eu tenha me cansado mais ainda. 
Andando por Nazaré




Vamos, então, falar da cidade, antes de entrar na devoção mariana. Nazaré é bem mais famosa por ser a tal cidade das ondas gigantescas de recordes mundiais, o que atrai entre outubro e janeiro, muitos surfistas e espectadores de espetáculos marítimos. Ainda que tenha este potencial turístico, a cidade é pacata, simples e não esbanja grande luxo em suas habitações. Só se percebe o grande potencial turístico pela grande malha hoteleira e gastronômica da cidade costeira. Segundo o Google Maps, a cidade fica a 122 km de Lisboa. A passagem de autocarro não custou mais que 15 euros. Antes que perguntem, infelizmente eu não vi as ondas gigantescas. Alguns poucos colegas da comitiva chegaram a ver uma ou outra, no amanhecer. Mas, talvez, pelo nosso tempo super apertado por conta do evento que estávamos, acabamos por perder alguma. 
No município da Nazaré há uma tradição curiosa entre as mulheres. Conta-se que, à espera de seus maridos pescadores, elas usavam sete saias que iam tirando conforme as sete ondas gigantes que marcavam o tempo do retorno deles. Essa foi a versão que ouvi ao pé do ouvido. No site da Câmara Municipal, há uma melhor e mais ampla explicação: "As sete saias fazem parte da tradição, do mito e das lendas desta terra tão intimamente ligada ao mar. O povo diz que representam as sete virtudes; os sete dias da semana; as sete cores do arco-íris; as sete ondas do mar, entre outras atribuições bíblicas, míticas e mágicas que envolvem o número sete.
De facto, a origem não é de simples explicação e a opinião dos estudiosos e conhecedores da matéria sobre o uso de sete saias não é coincidente nem conclusiva. No entanto, num ponto, todos parecem estar de acordo: as várias saias (sete ou não) da mulher da Nazaré estão sempre relacionadas com a vida do mar.
As nazarenas tinham o hábito de esperar os maridos e filhos, da volta da pesca, na praia, sentadas no areal, passando aí muitas horas de vigília. Usavam as várias saias para se cobrirem, as de cima para protegerem a cabeça e ombros do frio e da maresia e as restantes a taparem as pernas, estando desse modo sempre compostas”.
É válido de memória também a apresentação cultural que presenciei por parte dos munícipes. Eles foram extremamente receptivos conosco e nos brindaram com uma noite cultural onde apresentaram a dança deles, uma coisa linda!!!! Nunca vi nada igual. Chama-se o corridinho e o vira, eles dançam descalços, como dançavam, na praia, pescadores e peixeiras, ao som dos rudimentares instrumentos usados nas festas da classe piscatória. 




Preciso ainda destacar o pôr do sol que tive àquele dia. Sem sombra de dúvidas, um dos mais lindos da minha vida. Tenho a leve impressão de ter sido o mais especial para mim até hoje. Deixo que as fotos expliquem a vocês o porquê...




Devoção - Desculpe o rodeio para chegar aqui, penso que seja legal ter falado das saias e do pouco que vi da cidade. Nazaré é muito mais que mar e saia! Nazaré é Nazaré: casa da Virgem Maria,lar de uma família: a cristã!

Cheguei ali com a câmera na mão e com o coração no Céu! Descobri, então, tudo o que tinha ignorado saber na infância. A devoção a Nossa Senhora em Portugal é muito mais antiga que a devoção a Nossa Senhora de Fátima (103 anos). O início da devoção nazarena remonta ao Século XII, quando em 14/09/1182, por um milagre, Dom Fuas Roupinho, um nobre guerreiro que cavalgava (em atividade de caça) em um penhasco encoberto por um nevoeiro, teve sua vida salva após invocar a proteção da Doce Maria: "Senhora, valei-me!", disse ele ao perceber que estava em uma falésia pronto a cair por mais de 100 metros em queda livre, no exato local onde havia numa gruta, uma imagem da Virgem Maria (imagem que acredita-se tenha sido esculpida por São José e peregrinado por diversas partes do mundo, partindo da Galiléia até chegar em Portugal trazida por um frade). Desta invocação feita no chamado "Bico do Milagre", Dom Fuas não despenhou-se e soube ser grato por isso, mandou seus companheiros erguerem ali uma capela, o que hoje é chamada Ermida da Memória (foto abaixo). Ao pegarem pedras para a construção da ermida, os homens acharam um cofre com relíquias de São Brás e São Bartolomeu e um pergaminho que dava a autenticidade da imagem. A imagem, pode ser assim, o ícone mais antigo de devoção mariana no mundo.




Em 1377, o rei dom Fernando mandou construir uma Igreja próximo à Ermida. A Igreja comportaria mais gente, haja vista o alto número de devotos que por ali passavam. Conta-se que até São Francisco Xavier, Pedro Álvares Cabral e Vasco da Gama (tanto antes, quanto depois de descobrir a Índia) passaram por Nazaré para rezarem.






A Igreja que hoje ganhou o título de Santuário é belíssima. Está em formato de cruz latina, possui mais de .6.500 azulejos importados no Século XVII da Holanda. O atual reitor é o Pe. Paolo Lagatta, um italiano e jovem padre, com pouquíssimos anos de ordenado. A Igreja possui ainda relíquias, imagens doadas pela rainha Leonor de Áustria que passou pelo local e deixou de oferta tais lembranças antes de ser Rainha da França. No altar-mor conserva-se a imagem original, já em estado avançado, mas com toda dignidade que merece aquela representação simbólica da Mãe de Deus. É possível subir com autorização do Reitor, somente. O acesso se dá por uma escada pela Sacristia, outra obra de arte o templo, repleta de azulejos brancos e azuis e móveis dos séculos medievais. A Igreja, a Ermida da Memória e o Palácio Real, uma casa que já serviu de abrigo aos reis e rainhas que passaram ali em veneração à Virgem, compõem o que os portugueses chamam de Sítio da Nazaré, local que tive a graça de conhecer e espero, um dia voltar, acompanhado, quem sabe, por você que até aqui acompanhou meu relato...



Permitam-me um apêndice com imagens da Senhora da Nazaré que compõem um acervo no Museu da Igreja, são imagens belas e históricas. Infelizmente, a maioria eu cortei na foto os textos-legenda com o histórico... Perdão!









 






sábado, 13 de junho de 2020

Perdido e achado pelo santo lisboeta

Da minha infância não trago tantas memórias. Já disse isso aqui em outra ocasião. Talvez por não ter tido uma infância atípica, cheia de aventuras, viagens e peraltices. Mas se a vida fosse um armário, certamente minha infância contaria com uma gaveta especial com recortes de Santo Antônio.
Minha avó é devota de Santo Antônio há mais de quatro décadas. No alto de seus 77 anos, não lembra mais o porquê de se tornar devota do santo, mas pondera: "não foi por marido, nunca pedi marido pra ele". A verdade é que ela diz ter lido a história dele e ter se encantado com seus milagres, desde então escolheu Santo Antônio por protetor. 
A partir desta devoção, eu cresci em casa (sempre morando com a minha avó de quem herdei essa religiosidade toda) assistindo ano após ano o dia 13 de junho ser esperado com fidelidade e devoção. Todos os anos era sagrado ela fazer a trezena e acender a vela ao lado de uma imagem do santo frade. E não bastasse isso, para não resumir a devoção às quatro paredes de casa, todos estes anos minha avó distribui centenas de pães, os famosos 'pãezinhos de Santo Antônio'. Ano passado (2019), foram mais de 400! Neste ano, devido as restrições sanitárias de participação nas celebrações, encomendamos só 300 pães e distribuiremos na Igreja de Santo Antônio de Lisboa na Batista Campos, para alguma outra comunidade e para familiares e amigos de nossa família.

Os reencontros - Como disse, se a vida fosse um armário, Santo Antônio teria um espaço reservado nele. Ainda que eu não tenha criado devoção por ele, aprendi com os anos a admirá-lo muito mais. Quando entrei para o Seminário Maior da Arquidiocese de Belém, em 2014, pude reencontrar alguém tão devoto deste "santo milagreiro". O reitor de nosso Seminário, Cônego Vladian, levava a sério a devoção e, com isso, envolvia toda nossa comunidade formativa nos festejos do santo na Capela do Pão de Santo Antônio, no bairro do Guamá. Esta capela, por muitas vezes foi visitada por mim quando acompanhava a vovó na distribuição do pão. Mas mesmo morando fora de casa e vivendo de novo e de outro jeito esta devoção, não me tornei seu devoto. Mas aprendi a valorizá-lo ainda mais. Se a vovó soube me trazer o carinho por Santo Antônio pela história de sua vida que ela me contava diversas vezes, no Seminário aumentei esse carinho contemplando a sua obra, o seu pensamento. De fato, lá tive mais contato com alguns de seus textos e detalhes de sua mente teológica.
Em 2014, na Trezena do Santo na Capela do Pão de Santo Antônio, em Belém. Na foto seguro um relicário com um fragmento do osso do santo lisboeta.

No início deste ano, tive a oportunidade de estar em Lisboa por 5 dias. Fui pra Portugal sem sequer lembrar que Santo Antônio nasceu em Lisboa (até hoje não me perdoo por esta falha com o santo). Na minha cabeça, Portugal se resumia à Fátima (devoção da minha mãe). 
É bem interessante que Santo Antônio é invocado, entre muitas coisas, como o santo que ajuda a achar as coisas perdidas. "Recupera-se o perdido", diz o seu responso que aprendi menino. Pois bem, muito encantado que eu estava por ter saído do Brasil e estar no continente europeu, decidi livremente passear pelas ruas de Lisboa na noite, a primeira noite que eu estava por lá. Saí do hotel, jantei ali na esquina e depois ganhei o mundo, ou melhor: ganhei Lisboa. 
A caminhar pelas atraentes ruas do bairro da Alfama, às margens do Rio Tejo, decidi ir à Missa na Sé de Lisboa. Queria conhecer. Por ser minha primeira noite na cidade e estar sozinho, penso que mexi no celular e digitei apressadamente pela Igreja para ver onde estava a Sé. Assim, observei e decorei o caminho, botei o celular no bolso e me pus a "bater perna". 
Lá pelas tantas, nunca esqueço, entrei numa ladeira não tão íngreme. Parecia um túnel. Mas estava no meu roteiro, então a subi. Conforme fui subindo, fui me vendo do lado de uma Igreja esplêndida, de arquitetura barroca e pombalina. E, óbvio, fui lá conferir. Já na porta, vi Santo Antônio numa estátua. A ficha começou a cair conforme fui dando passos e adentrando ao templo. Lá dentro, caiu a a ficha e caiu também uma lágrima. Eu estava na Basílica de Santo Antônio de Lisboa, construída sobre a casa onde ele nasceu. Que graça!
Fachada da Igreja Basílica de Santo Antônio, na Alfama, em Lisboa. Foto: Leonardo Monteiro.

A igreja que temos hoje não é mais a original do Século XII. Um terremoto que abalou Lisboa a destruiu, só ficou intacta a imagem que até hoje é conservada no altar-mor. A cripta da igreja, porém, também ficou intacta. E é lá que quero chegar agora. 
Não conseguiria descrever a emoção que foi para mim, que ainda estava impactado de estar no lugar onde ele nasceu, ao mesmo tempo que estava irado comigo de não ter incluído na minha lista de passeio aquela Igreja. Graças a Deus, Santo Antônio não acha só objetos perdidos, acha também as pessoas perdidas, vulgo: eu mesmo!!!
Para ter acesso à cripta é necessário passar pela sacristia imponente, com azulejos belíssimos, móveis de madeiras que respiram o ar de antiguidade. Há ainda na Sacristia, em anexo, uma lojinha com Santo Antônio para todos os gostos, cores, tamanhos e larguras. 
Saindo da Sacristia dei de cara com uma porta: "Quarto de Santo Antônio". Estava fechado, também, já era uma hora avançada da noite. Os santos também têm privacidade, viu?! Ali só fiz minha oração na porta mesmo.
Quarto de Santo Antônio. Foto: Leonardo Monteiro. 
Em seguida há uma escada estreita e curva. Fui descendo sozinho e sem ninguém me acompanhando. Descobrindo cada canto daquele lugar. E aí cheguei na cela onde Santo Antônio nasceu. Uma cela apertadíssima, pequena demais, com um altar ao santo, uma grande e um genuflexório para os fiéis. Ali não é lugar de conversa, por isso não há cadeiras. Também não cabe muita gente ao mesmo tempo. É um lugar que convida à oração, ao recolhimento, à simplicidade. Fiz minha oração ali, ajoelhado, e mais lágrimas me vieram recordando que o santo lisboeta sempre esteve comigo, na minha família, na minha vida, e pedi desculpas a ele, claro, por ter esquecido dele no meu plano de viagem. Acho que ele me desculpou.
Escada que dá acesso ao local de nascimento de Santo Antônio. Foto: Leonardo Monteiro.

Corredor paralelo à Sacristia, onde ficam os banheiros públicos da Igreja. Foto: Leonardo Monteiro.
Cela onde nasceu Santo Antônio. Foto: Secretariado Nacional de Cultura (Portugal)
Saindo daquele lugar, me senti renovado. E tive a certeza que Santo Antônio quis me receber na cidade onde ele nasceu. Foi uma experiência única! Acabei desistindo de ir à Sé naquele dia, a hora estava avançada e queria retornar para ter um descanso merecido após as mais de 20 horas de viagem. Dias depois, novamente sem saber, tomei o caminho de Santo Antônio novamente. Estava andando mesmo pra (re)conhecer aquele bairro charmoso, e me descobri de novo aos pés da igreja do santo. Ali mesmo, de fora, rezei, e continuei a andança. 
Imagem de Santo Antônio que sobreviveu ao terremoto.

Interior da Igreja
Cúpula da Igreja

segunda-feira, 1 de junho de 2020

Minha experiência com o "Embaixador do Papa"

Nesta segunda-feira (1º/06), tão logo iniciado o mês de junho também a Igreja no Brasil recebeu uma importante comunicação da Santa Sé. Trata-se da transferência de dom Giovanni D'Aniello, até então Núncio Apostólico do Brasil, para a diplomacia vaticana na Rússia.
Conheci dom Giovanni em 2012. O Papa Bento XVI tinha instituído neste período o chamado "Ano da Fé" e eu estava como repórter do Jornal "Voz de Nazaré", em Belém. O diplomata tinha sido nomeado por Bento XVI para a Nunciatura Apostólica no Brasil em fevereiro deste mesmo ano. Poucos meses depois soubemos na capital paraense que ele estaria no Círio de Nazaré.
Desta feita, ocorreu o primeiro contato com ele. Por ocasião do Círio, dom Giovanni presidiu a Missa de início da Trasladação no dia 13 de outubro. Foi uma Missa (eu lembro bem) muito marcante. A música escrita pelo Pe. Fábio de Melo e dada à Fafá de Belém tinha acabado de ser lançada. Por isso, ao final da Missa, "Eu sou de lá" foi cantada diante do Núncio pela própria Fafá que, ousadamente, puxou o Arcebispo Metropolitano de Belém, dom Alberto Taveira Corrêa, para cantar junto com ela. Até hoje, em meus arquivos, eu tenho este vídeo. Mas, se ficou curioso com este momento, você pode conferir aqui.
Logo após este ato histórico, a procissão saiu e dom Giovanni ficou no Colégio Gentil Bittencourt. Tinha decidido ver somente a passagem da berlinda no Edifício Manoel Pinto. E assim o fez. Mas, antes que saísse, eu me aproximei e solicitei a entrevista prontamente concedida. Aliás, sempre o achei muito simpático no tratamento com a imprensa.
Em uma entrevista de pouco mais de dois minutos, ele falou sobre o Ano da Fé e as primeiras impressões da procissão mariana que acabara de conhecer. Confira abaixo a transcrição e o áudio (em baixa qualidade) da entrevista.
Em 2012, na entrevista concedida a mim para o Jornal Voz de Nazaré, logo após a saída Trasladação, no Colégio Gentil Bittencourt, em Belém-PA


Depois disso, tive pontuais contatos com dom D'Aniello. Não consigo lembrar com exatidão. Mas no ano seguinte, novamente no Círio, tive oportunidade novamente cumprimentá-lo. Depois foram outros rápidos contatos.
Em novembro do ano passado o Papa Francisco decidiu reestruturar a organização eclesiástica do Regional Norte 2 (Pará e Amapá): elevou a então Diocese de Santarém à Arquidiocese, transferindo o auxiliar de Belém, dom Irineu Roman para primeiro Arcebispo Metropolitano de Santarém; elevou à Prelazia do Xingu à Diocese de Xingu-Altamira, mantendo Dom João Muniz como Bispo Diocesano; e, por fim, criou a tão sonhada Prelazia do Alto-Xingu Tucumã, colocando o agostiniano dom Frei Jesús María Mauléon, como prelado. Bom, nem precisa dizer que com tudo isso, era super importante e sinal de prestígio a presença do Excelentíssimo Revdmº Núncio Apostólico no Brasil, dom Giovanni D'Aniello. Desta vez eu estava como assessor de comunicação da CNBB Norte 2, aí lembro bem os detalhes de infraestrutura e logística que tivemos que nos preocupar. Nunca vou esquecer este momento onde eu, na minha insignificância, pude estar nos bastidores de um ato histórico para a Igreja no Pará. Única celebração que eu me ausentei foi a do Alto-Xingu. Talvez isso mereça outra crônica porque foram muitas experiências (inclusive a de andar num jatinho pela primeira vez).
Começando as articulações, coube a mim ser o assessor de imprensa dos bispos que viessem e, claro, do Núncio Apostólico. Foi bem legal a experiência, embora eu tenha ficado muito nervoso de estabelecer com ele a comunicação necessária entre assessor e assessorado. Mas estando em Altamira, logo conversamos e acertamos os detalhes: ele preferia falar sempre ao final das celebrações, não via muito sentido falar antes do ato realizado, atenderia as demandas relacionadas somente com os eventos (achei super prudente essa ponderação dele, do jeito que estamos tão polarizados, uma fala fora de lugar pode gerar um mau estar geral).
E assim foram por 3 dias de convívio. Sempre muito humilde, espontâneo e brincalhão, conversava e perguntava sobre tudo o que não conhecia da região. Claro que, sempre, aos bispos, seus irmãos. Vez ou outra a mim ou a outra pessoa que estivesse por perto.
Com dom Giovanni em Santarém, logo após ter dado a posse ao novo arcebispo da Pérola do Tapajós
Cena digna de memória foi no táxi-aéreo que pegamos de Altamira para Santarém (por extrema necessidade depois de um voo ter sido cancelado). Era eu e mais 8 bispos numa aeronave pequena para nossos costumes. Obviamente, deixei todos os bispos entrarem primeiro e escolherem seus lugares. Ocorre que eu não tinha dimensão de como era lá dentro. Eles foram entrando e foram sentado logo nas primeiras poltronas que passavam, daí, naquele super-ultra-mega espremido corredor eu tive que passar com muita dificuldade, pelo pouco espaço e pela mínima altura. Eu, praticamente, engatinhei para chegar na primeira poltrona que era a única vazia a me esperar. Com caridade, dom Giovanni me ajudou, se esquivou na cadeira e depois colocou a mão na minha costa para não esquecer que o teto era baixo.
Mais adiante, após a decolagem, todos estavam num digno repouso. Eu também. Mas, com exceção de dom Jesús Mauléon - que pela primeira vez na vida estava no Pará, o Núncio era o único que ia atento contemplando nossas matas e rios com aquela visão privilegiada. Eu lembro que ofereci água para ele por, no mínimo, três vezes, e ele sempre sorria e dizia que não. Na última vez que ofereci, ele sorrindo, mostrou-me que tinha uma garrafinha com ele e estava cheia (por que logo na primeira vez ele não mostrou isso? rs).
No apertado avião saindo de Altamira para Santarém. Dom Giovani aparece de batina branca, no fundo da aeronave.



Bom, foi uma experiência super agradável. E acho que foi a maior autoridade eclesiástica da Igreja que eu já assessorei, hehehe. Isso é inesquecível por si. Em uma rede social eu postei a foto abaixo e escrevi: "não é todo dia que se assessora o embaixador do Papa".
Hoje, percebendo a transferência, desejo a dom Giovanni muito êxito nesta nova missão que ele assume. Certamente será árdua, haja vista o histórico da Rússia. Porém, com a experiência que ele tem certamente poderá contribuir e muito...


SEGUE A ENTREVISTA feita em 13/10/2012: 


sábado, 30 de maio de 2020

Lições de Emaús

          Conheci o Pe. Bruno Sechi ainda muito pequeno, tão pequeno que na memória não trago datas, apenas momentos pontuais de celebrações que participei com ele no Benguí, bairro que ele escolheu para deixar o maior legado de sua vida: a República de Emaús, um movimento surgido na década de 70 que hoje atende mais de 600 crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social. Emaús é o lugar do encontro. Caminhando com Jesus, sem o reconhecerem, os discípulos entristecidos andavam amargurados e narravam ao "sujeito desconhecido" todas as coisas ocorridas nos últimos dias (cf. Lc 24,13ss.), a paixão e morte de seu Mestre, o sepulcro vazio, a busca pelo corpo de Jesus. 
          Também no Emaús do Benguí há o encontro, há a partilha. Algumas vezes, eu mesmo fui lá entregar as "coisas inúteis" que em casa não mais serviam, mas lá ganhavam novo sentido e, mais que isso, dava a um jovem que poderia estar na rua, a possibilidade de aprender um ofício, de gastar seu tempo em prol das bos coisas da vida. No Emaús do Benguí, porém, não havia a tristeza pela partida do Mestre. Não discutiam o sepulcro vazio. Ao contrário, se gastava o tempo enchendo os galpões e salas com televisores, antenas, rádios, demais eletrônicos, peças de carros, lixo reciclável e histórias! Muitas histórias! Se naquele fim de tarde os discípulos caminhavam com o Mestre sem o reconhecê-lo, no Emaús do Benguí todos reconheciam o Mestre que caminhava a passos lentos e firmes, quando não ficava a contemplar sua obra da sacada de sua casa por entre tantas folhas e plantas que lhe rodeavam. 
Pe. Bruno na celebração de 49 anos de Sacerdócio na Paróquia Rainha da Paz (Benguí), em junho de 2017. Foto: Leonardo Monteiro

          Quando Jesus, ainda 'desconhecido' pelos dois discípulos, pergunta: "que palavras trocais pelo caminho?", Cléofas imediatamente - num tom ríspido, eu acredito - questiona: "acaso sois o único forasteiro em Jerusalém que não sabeis o que lá aconteceu nestes dias?". Ora, àquela época imaginem só a dificuldade que era de comunicação entre aquele povo. De qualquer modo, mesmo que não fosse Jesus ali com eles, poderia ser que fosse um desavisado, alguém alheio às informações da época. No Emaús do Benguí, porém, a notícia se espalhou rápido: Pe. Bruno Sechi faleceu. O imenso bairro periférico de aproximadamente 30 mil habitantes formou um coro uníssono de lamentos e tristeza. 
        Ninguém ainda consegue imaginar como será, a partir de agora, passar em frente ao movimento, contemplar aquele belo jardim de plantas tropicais, idealizado por Pe. Bruno para conter - veja só! - o lixão que estava sendo criado no muro de sua cidadela, sem poder contemplar junto com as flores aquele sereno sorriso de um octogenário que transbordava vida.
          Emaús traz ainda outra lição: a do cuidado com o anônimo. O dia declinava e aqueles cristãos continuavam a caminhar com o "Jesus não-reconhecido". Não sabiam quem era Aquele Homem, era um simples anônimo que com eles caminhavam. "Aproximando-se do povoado para onde iam, Jesus simulou que ia mais adiante. Eles, porém, insistiram, dizendo: 'Permanece conosco, pois cai a tarde e o dia já declina. Então entrou para ficar com eles". (cf. Lc 24,28ss.). Esse trecho me faz lembrar os anônimos que Pe. Bruno acolheu em sua casa. Quantos e tantos meninos e meninas que ele sequer sabia de onde vinham, mas por saber para onde podiam ir, acolheu em sua obra, partilhou com eles do seu pão, da sua vida, do seu trabalho...
Pe. Bruno na varanda de sua casa. Foto: Reprodução/Facebook.

          Naquele Emaús distante de Jerusalém, ao partir o pão os discípulos reconheceram Jesus (cf. Lc 24,30). No Emaús do Benguí, certeza eu tenho que a distância agora de Jerusalém é mínima. Mas, me refiro à Jerusalém Celeste que nós, acredito, queremos habitar um dia. Hoje, Pe. Bruno chega lá para contemplar a face de Deus e prestar contas do bem que ele fez. Em um vídeo divulgado de uma Missa com o Movimento Familiar Cristão, o próprio falando sobre a morte, diz: "Confiemos nesse Deus que vai escolher o melhor dia de nossas vidas para nos encontrarmos com Ele, não tenhamos medo da morte. Nós queremos fazer da nossa vida um instrumento de ajudar o próximo, isso que vale. Acumular dinheiro? Ninguém leva nada. Levaremos, nós, aquilo que fizemos de bom e de mau", disse ele.
          Por fim, a experiência de Emaús, caro leitor, é a experiência de Ressurreição, de abrir os olhos encegueirados pelo pessimismo para contemplar uma realidade gloriosa que nos espera. Pe. Bruno nos precedeu nesta páscoa, mas deixa este legado. O Emaús que ele fundou significou ressurreição para vida de tantos e tantos jovens, incontáveis pessoas tiveram ali uma transformação, uma conversão. Diante desta pandemia, o falecimento do Pe. Bruno provoca também um convite a isso: transformar o olhar, a vida. Perceber que mesmo tendo tudo para dar errado, podemos usar de nossos talentos para re-significar a humanidade com solidariedade, com testemunho evangélico, com amor ao próximo. Não adianta se trancar em casa e querer transformar o mundo com um mídia-ativismo, é necessário mesmo transformar o mundo a partir do coração de cada um de nós...
Pe. Bruno se foi, mas ficou. Ficou na história do estado, do Brasil e do mundo. Pessoas como ele farão falta nesta humanidade, mas agora vamos continuar escrevendo capítulos de nossa história com ele olhando por nós do céu. Essa é a esperança!

quinta-feira, 14 de maio de 2020

Fátima: o lugar do cuidado de Deus


            Depois de uma exaustiva semana de trabalho entre Lisboa e a charmosa cidade da Nazaré, minha aventura em Portugal se aproximava do fim. Por sorte, ganhei dois dias e meio de folga. Fiquei a semana toda planejando a folga e, chegado o domingo, ainda estava indeciso. De última hora fiz cálculos de tempo, distância (pra quem vive num Brasil, calcular distância em Portugal não é uma dificuldade), e contei com a preciosa ajuda da jornalista Gracielle e do Jorge, cinegrafista da Tv Canção Nova. Ambos moram em Fátima. Ela é do Rio de Janeiro, ele é 'nascido e criado' em Fátima. Decidi pegar a carona deles. Não sabia onde ficar, e a Canção Nova me acolheu na sua casa de missão, cujo nome é: "Casa de Maria". Não bastasse ir à cidade, eu me hospedaria também na Casa de Maria. Entendi que meu destino estava seguro! 
            Com dicas preciosas de quem mora na cidade, fui chegando em Fátima no final da tarde daquele domingo, 26/01. Fazia uma tarde linda. Linda e frienta! Os termômetros marcavam 10ºC. Como o Santuário de Fátima é aberto 24h, me deixaram – porque ainda tinham que trabalhar – em Aljustrel.
            Aljustrel é uma vila que dá a impressão de ter parado no tempo. Lá ainda existe a casa onde moraram os Pastorinhos. Entrei na casa dos pais de Francisco e Jacinta. Encontrei a sobrinha dos dois santos, administradora de uma lojinha (em Fátima há lojinhas por todos os cantos). Acostumada com tietagens, não hesitei em pedir-lhe uma foto. Depois entrei na casa e fiquei profundamente tocado com a simplicidade, a humildade, a pobreza do lugar. Cada passo que eu dava, meu coração suspirava: “tão pobre e tão rica, feliz casa!”. Os cômodos eram estreitos, o piso de madeira era nitidamente novo, reformado para acolher melhor os turistas.
            Um momento merece muito destaque, caro(a) leitor(a): o momento que entrei precisamente nos quartos onde nasceram e morreram Francisco e Jacinta. Ambos viveram somente dez anos “cá na terra”, como diriam os portugueses. Ao entrar no quarto dele, senti profundamente a santidade daquele lugar, espaço pequeno, outras camas (não eram quartos individuais). Não segurei o choro, deixei no moderno piso, da arcaica casa, as minhas lágrimas, preciosas para mim, derramadas sem que eu entendesse o porquê. Rezei! Saí e me apressei.
            Na casa de Lúcia senti o mesmo espírito, mas, de modo diferente. Fui movido pela curiosidade. Ao lado da casa, há um museu que conta a história social daquele povo: como viviam, se vestiam, etc. De repente, 18h e tudo se fechou. Ensaiei subir ao Santuário de Fátima a pé (cerca de 2km) pelo caminho da Via Sacra, conforme Jorge e Gracielle me indicaram. Porém, o espírito brasileiro gritou, fiquei “cabreiro” com aquele lugar soturno, o medo me impediu de avançar as estações. Mas, e agora, como sair dali? As lojas já estavam todas fechadas, ninguém na rua. Fiquei nervoso! “Nossa Senhora, como agora vou sair daqui?”, clamava inquietamente no meu coração. O “Uber” não funcionava há dias, os táxis lá só funcionam se você liga e pede um. Daí notei uma loja fechada cor três jovens irmãos lá dentro fazendo o trabalho da contabilidade. Hesitei, mas pedi ajuda. Estava com preconceito: “esses europeus são duros, vão querer que o brasileiro solitário se lasque”. Ledo engano! Eu não estava na casa e a cidade de Maria, o que temer? Foram totalmente simpáticos, confesso que fiquei muito surpreso (ao longo do que já tinha passado em Portugal, já estava com um certo trauma do jeito europeu de tratar as pessoas, mas isso é assunto para outra crônica, talvez!). Chamaram-me um táxi e fui ao Santuário (Basílica). Era exatamente 18h40. Tudo escuro! Embora febril, não sentia fome e nem cansaço, só desejo em descobrir tudo naquele lugar. 
            Comecei pela moderna Basílica da Santíssima Trindade, datada de 2007. A saber, é o quarto maior templo católico do mundo: abriga 8,6 mil pessoas sentadas, possui 18 metros de altura e outros números e detalhes que alongariam este artigo. Ali fiquei pouco tempo, mas óbvio, fiz fotos. Dos pocuos presentes, havia um casal de orientais, e nessa hora a gente lembra com saudade das aulas de inglês do fundamental. “Excuse me”, balbuciei. Ela comentou algo com o marido na sua língua. Será que me xingou?! Bom, “please, photo?!”, falei entregando o celular com a câmera já ligada. Foto garantida, saí da Basílica gargalhando com medo de estar sendo um bobo, mas com nossa Mãe, quem se importa de pagar um mico desses? 
            A grande verdade, meus amigos, é essa: eu estava mesmo me sentindo em casa. Olha, em poucos lugares na vida eu me senti tão leve como ali. Andava sem sentir o chão, vivia um sonho! Saindo da Basílica, deparei-me com a Basílica de Nossa Senhora do Rosário, aquela que eu só via como cenário de fundo nos grandes eventos de Fátima. Lágrimas novamente, mais alguns passos para atravessar a enorme praça que tinha, ao meio, o Sagrado Coração de Jesus de braços abertos e, ao seu lado, a famosa Capelinha das Aparições. Preferi ir logo na Basílica onde ocorria a Santa Missa. Lá estão os túmulos dos pastorinhos, novamente rezei emocionado entregando minha vida a Nossa Senhora, recomendando minha família, meus amigos, nossos governantes, nossos sacerdotes, nossa Arquidiocese de Belém, enfim. 
            Saindo de lá, fui à Capela das Aparições. Local exato onde em 13 de maio de 1917 apareceu a Virgem Maria. Ali tem uma bonita imagem – cujo centenário celebra-se neste ano, – que foi esculpida conforme o relato dos pastorinhos para ficar o mais parecida possível com as feições contempladas pelos olhos deles. E eu, olhava para aquela imagem e pensava a mesma coisa, “agora são meus olhos que tentam contemplar a tua beleza!”. Sentado à espera do início do terço, abusei da imaginação dos meus sentidos. Fiquei pensando como devia ser a voz de Nossa Senhora, a imaginei falando português, será que havia algum sotaque? Depois fiquei pensando como era aquela Cova da Iria, feita de campo, com árvores, um terreno irregular… Que cheiro exalava dali? O perfume floral. Olhei ao redor da imagem, quantas e quantas flores a rodeavam. Poderia aplicar aqui um pensamento do escritor Vitorino Nemésio, que diz: “Em Fátima a nossa humanidade passou a valer mais”. É fato, ali despertei muito mais que meus sentidos, despertei um coração que dentro de mim batia. A temperatura tinha caído muito, já faziam 7ºC e meus melhores cobertores estavam na mala. No corpo, o frio me maltratava (e eu já vinha há dias doentes, até mesmo com febre), mas o meu coração estava totalmente aquecido. Isso me fazia suportar qualquer intempérie que surgisse. 
            Deveria ser meu último momento em Fátima. A ideia era dormir na “Casa de Maria” e, cedo, comprar umas lembrancinhas e partir para “ganhar o dia” na famosa cidade do Porto (de onde eu retornaria para Brasília). Era esse o plano. Dormi, com muita dificuldade por conta do frio (4ºC). Debaixo de tantos panos e, até de calça jeans, me gabei de estar dormindo uma noite em Fátima, no lugar cujo nome me falava tanto.
            No outro dia, não tão cedo, acordei com vozes na casa. Dormi numa casa “vazia” e acordei com a mesma sendo povoada. Eram poucos membros da Comunidade Canção Nova que cuidam daquela que é uma casa de retiros, encontros. Agradeci a confiança, bem brasileira, de abrir as portas de casa para um desconhecido, me responderam: “nossa Mãe é uma só, e no colo dela a gente se reconhece”. Profundo!
            Avante. Fui fazer as tal comprinhas. Não resisti de passar nos fundos do Santuário de Fátima. Novamente entrei. Percorri aquele lugar e fui descobrindo cada cantinho que, na noite anterior, me tinha escapado o olhar. Daí a programação começou a desandar e o Porto me foi ficando distante. Depois eu descobri que minha âncora estava mesmo em Fátima. Mas, o fato é que fui pedir ajuda no Pronto-Socorro do Santuário. Não estava me alimentando bem por conta de gengivas inflamadas e a febre não tinha passado. A médica ainda não tinha chegado e me pediram pra esperar. Impaciente como sou, esperei até demais. Desisti e fui atendido por uma enfermeira que lá estava. Com pressão e temperatura um pouco elevada, ela me sugeriu ver a questão da gengiva num odontólogo mais adiante. Saí de lá caçando o dentista. Não demorou e eu o encontrei. Entrei no consultório com a dor na boca e no bolso, meus olhos procuravam a tabela de preços da consulta. Não havia nada. A atendente me disse que cada consulta tinha um preço, naquele jeitinho brasileiro eu disse, “ah, bom, é só uma gengiva inflamada, nada demais”. Ela disse, “certamente o doutor lhe pedirá 50 euros”. Aí, meus amigos, caí na tentação clássica do turista brasileiro de avaliar quanto seria isso em reais. Daria em torno de R$ 240. Socorro! A vontade era correr dali, mas o bom senso me pediu para ficar. Em Fátima há imagem da Virgem por todo canto, e no consultório não era diferente. Havia uma imagem dela, eu olhei e pedi que ela me ajudasse que não fosse nada grave e que minha carteira não sofresse um abuso. O dentista examinou-me, deu um ralho pela minha demora em buscar socorro e passou o receituário médico. Agradecido e, ainda, nervoso, perguntei quanto custou a consulta. “Nada, já está pago, fique tranquilo e vá logo comprar esses remédios!”, disse. Imediatamente eu já sabia quem pagou a consulta. 
            Com remédios em mãos, pude embarcar para o Porto já no final daquela tarde que, por mim, não acabaria. Foi minha última tarde em Fátima. Chovia uma “garoa” quando saí de lá. Puxando a mala, decidi ir andando até a rodoviária, misturei, por fim, minhas lágrimas àquelas gotículas que caiam do Céu onde apareceu a Virgem Maria, conforme cantamos.
            Pude testemunhar, e encerro esta crônica assim, que Fátima é, como diz o Cardeal Tolentino de Mendonça, “um lugar de lentidão onde se dialoga com a crise e de onde se sai mais humano”. Não fui mais o mesmo após sair dali. A Virgem de Fátima sempre venerada em casa, porque minha mãe é consagrada a ela, nunca foi tão próxima de mim, ainda que todos os anos, desde pequeno, eu caminhasse com minha vela acesa na bonita procissão em Belém que agrega mais de 250 mil pessoas. Bastou-me dois dias em Fátima e eu retornei para o berço da minha devoção mariana de infância. E tal como em 1917, no contexto da I Guerra Mundial quando Nossa Senhora apareceu, ainda hoje Fátima continua a mostrar o cuidado que Deus tem pela humanidade, sobretudo nos momentos em que esta se percebe frágil e vulnerável.