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quinta-feira, 17 de março de 2022

Três letras de peso e leveza

A vida tem dessas coisas… Quando soube da nomeação de Monsenhor Cid como Bispo Coadjutor para a Diocese de Bragança do Pará, passou um filme em minha cabeça, de muitas cenas e recortes. Porém, o mais engraçado, foi recordar os primeiros contatos com ele: eu era coroinha, ele já era O PADRE CID! O seu apelido de três letras contradiziam o peso que tinha (e sempre teve) este nome. Era um “pânico de coroinha” servir com ele. Errar um passo no Altar era a maior repulsa na minha mente para qualquer celebração com este sacerdote - que gostoso é dar risada disso hoje!

Através do Pe. João Derickx (que deve estar fazendo festa no Céu, porque era um sonho ver este dia chegar) pude ir desbravando um outro CID, desta vez, um Cid que na intimidade, provava que as três simples letras de seu apelido era reflexo da leveza de sua essência. Não era só “aquele padre rígido no Altar”, era um padre-amigo, que corrigia sempre porque de tão leve, era livre, e de tão livre: sempre verdadeiro! Não poucas vezes pude conviver com aquele padre e o admirava porque ele sabia falar de absolutamente tudo, sempre simples nas palavras, profundo no conhecimento. 

Mas a vida tem dessas coisas, repito. Fui pro Seminário, logo o Pe. Joãozinho faleceu, alguns meses depois o Pe. Beá (meu pároco que me enviou pro Seminário), e me senti um pouco órfão - esta é uma verdade um tanto difícil de assumir para mim mesmo, confesso. Todavia, Deus foi me dando muitos referenciais e a oportunidade de ter, em minha caminhada, conhecido muitos sacerdotes íntegros e exemplares, entre eles: Monsenhor Cid. 

E aí que chegou um ano, 2015, e fui para o estágio pastoral no Santuário de Fátima, era naquele tempo um “ideal seminarístico de pastoral”, rs. Eu me lembro que tremi quando pensei de como seria conviver, morar, compartilhar a vida inteira nos finais de semana com ele, que à época era o pároco da referida paróquia. Mas, foi ali, nos auspícios da Virgem de Fátima que minha amizade com ele se solidificou. Não havia mais medo, na verdade, o medo que existia era de desperdiçar um só segundo que fosse ao lado de alguém tão inteligente e fecundo em todos os seus projetos e sonhos. Era um sacerdote completamente exemplar! E Pai! Não esqueço do cuidado que tinha quase todos os finais de semana ao perguntar se precisávamos do básico, tampouco de quando vinha de algum lugar e trazia do que ganhava para compartilhar conosco, gestos simples e belos de alguém que sabia ser fraterno na convivência. Sentar à mesa nos finais de semana era um oásis, a boa prosa era o prato mais apetitoso que se tinha naquela casa. De brinde, gotículas de um oceano da História da Igreja, sobretudo da minha, da nossa, amada Igreja de Belém. Naquela mesa se partilhava, acima de tudo, a vida. 


No serviço litúrgico no Santuário de Fátima, na Vigília Pascal mais bonita que já participei!

Poucos sabem, mas em 2016 saí desta pastoral e fui para um outro estágio, fiquei só por um semestre e logo depois saí do Seminário. O primeiro sacerdote que procurei ao sair do Seminário foi Monsenhor Cid, e não esqueço também a acolhida que eu tive ao chorar diante dele e perceber que ele comigo partilhava daquela dor que eu sentia. Se tem uma frase que resume aquela cena, é a frase do meu teólogo favorito, o cardeal lusófono, José Tolentino de Mendonça, que afirma: “o olhar do amigo é uma âncora”. Posso testemunhar que aquele dia, eu senti isso por completo. 

E aí estava criado um vínculo de amizade que, desapercebidamente se estabeleceu entre nós. Amizade dispensa formalidades e contratos, não é mesmo? Acho que sim. E assim vivemos, seguimos e convivemos por muitos encontros e desencontros da vida. E no meu coração, o sonho do Pe. João era o meu: Monsenhor Cid merecia ser Bispo não só por sua competência, mas porque alguém tão apaixonado pela História, merecia sim SER História, deixar seu nome gravado para além das placas de paróquias por onde passou na Arquidiocese de Belém. E num gesto de nobreza do Papa Francisco, Monsenhor Cid fez história com tão pouco, porque um Mestre de simplicidade saber fazer História até mesmo com poucos instrumentos: Dom Cid será o primeiro Bispo Brasileiro na Diocese de Bragança, primeiro paraense também, vale dizer, e neste século XXI, é o primeiro Bispo a sair de nossa Arquidiocese e cidade de Belém do Pará, cidade da Senhora de Nazaré  (quiçá venham mais).

Em minha Ordenação Sacerdotal, com o sorriso mais sincero que eu poderia ter para este momento.

Assim eu concluo, porque com orgulho eu ainda desejo deixar essa página escrita para o marcante 16 de março de 2022, e o relógio já alerta para um novo dia que em minutos surgirá [edit: preocupado com as fotos, acabei passando batido e a postagem só foi ao ar nos primeiros minutos de 17/03, mas tudo bem!]. De todo modo, só queria expressar a felicidade que eu sinto hoje por ter um amigo, um irmão e um padrinho de sacerdócio chamado CID, que agora ganha mais três letras que antecedem seu nome e expressam o que é a vida dele para a Igreja na Amazônia: DOM.


P.S.: eu sei que escrevi demais, mas tem um fato que quero deixar registrado aqui ainda. Eu tinha agendado em fevereiro com o Monsenhor Cid uma formação na minha Área Missionária, onde estou trabalhando neste começo de ministério. E a data? 16/03! Olha só que engraçado, eu que esperei tanto essa nomeação, marquei um compromisso para ele, na minha primeira paróquia, justamente no dia da sua nomeação (claro que em fevereiro não sabíamos este detalhe). Todavia, exatamente 07h08 do então 16/03, antes de ser publicada a nomeação, eu decidi telefonar para ele para saber como faríamos, se ainda ficaria de pé a formação e se ele me daria a honra. Eu não sei porque ainda me surpreendo com a integridade do Monsenhor… Como se fosse uma desfeita para ele mesmo desfazer seu compromisso, pediu que eu o mantivesse porque havia se comprometido e confirmado comigo dias atrás (mesmo quando já sabia da sua nomeação). Mas a programação do dia acabou por fazer que horas depois ele novamente ligasse e pedisse desculpas por ter de desmarcar, haja vista que sua comunidade paroquial, justissimamente (hipérbole, eu sei), quisesse com ele celebrar a noite da marcante data. Que exemplo de humildade e firmeza diante da sua palavra! 



domingo, 3 de janeiro de 2021

O Arcebispo que eu conheço

Não me agrada iniciar o ano prendendo meu olhar ao passado numa circunstância tão obscura. Natural seria começá-lo cheio de planos para um futuro que se faz agora, tão próximo. 

Mas, às vezes na vida, se faz necessário um passo atrás para um firme passo adiante. Te convido a fazer essa dinâmica comigo, a partir de agora.

O ano era 2009, uma quarta-feira bem cedo, 30 de dezembro, e eu lembro muito bem, como se fosse hoje, que acordei com a notícia que após nove meses de vacância, nossa Arquidiocese tinha um novo Arcebispo. Permita-me, uma primeira ponderação: a Arquidiocese de Belém é a terceira mais antiga do Brasil, renomada no país pelas expressões de zelo litúrgico e devoção popular que alça seu ápice no segundo domingo de Outubro com o Círio de Nazaré, reunindo 2 milhões de pessoas na capital paraense. 

Foto: Leonardo Monteiro

Adiante. Logo que descobri o nome, fiquei muito feliz: Dom Alberto Taveira Corrêa, "o Bispo da Canção Nova, de Palmas-TO", pensei com a minha consciência de um garoto de 17 anos recém-completados. Ousado, como quase sempre sou, escrevi-lhe um e-mail certo de que, provavelmente, nem teria retorno. Mas, escrever nunca faz mal; a mim… muito menos! Com poucas palavras dei a dom Alberto boas vindas e expressei minha alegria por sua chegada, também manifestei que queria ser Padre nesta Arquidiocese. 

Não demorou muito para eu obter resposta. Curta, simples e pontual, no estilo dele que mais tarde eu me acostumaria… Ocorre que dali surgiu resposta, e depois já era uma conversa. 


Ao chegar em Belém, nos encontramos pessoalmente a primeira vez em Mosqueiro, na Paróquia Nossa Senhora do Ó, em uma Missa em plenas férias escolares. Me apresentei e recebi o convite para conversar com ele. Fiquei embasbacado. O Arcebispo? Preocupado comigo? Disposto a me ouvir? O que eu teria para lhe falar além do meu propósito de ser padre? Não entendi, mas aceitei. Assim, em agosto estávamos conversando pela primeira vez. Inclusive, devo dizer que houve um atraso (não lembro bem o porquê) e ele não teria nem como conversar comigo no gabinete da Cúria, desta feita, conversamos no carro, a caminho de uma Crisma que ele presidiria na Capela Nossa Senhora de Loreto, em Belém.

Por uma questão de total privacidade minha, não vou expor o teor da conversa. Mas posso assegurar muitas coisas:

1. Dom Alberto tinha/tem o hábito de dar atenção, muita atenção, a todo que dele se aproxima e diz ter vocação. Ele acredita mesmo na vocação da pessoa e se permite conhecê-la na medida em que ela se permite também. 

2. Quem conversa com Dom Alberto (e não só seminaristas, mas até mesmo casais e leigos que se confessam e são acompanhados por ele) percebem a lucidez e sabedoria que emanam de sua visão de mundo. Isso ajuda-nos a construirmo-nos integralmente, superando nossas falhas humanas, nossos vícios e pecados. 

3. Em nenhum momento que estive com Dom Alberto, a sós ou em grupo, fui assediado por ele, direta ou indiretamente, nunca sequer houve qualquer insinuação fora do contexto religioso. 

4. Também nunca ouvi, presenciei ou desconfiei de tal atitude dele para com meus irmãos conhecidos do Seminário ou de fora dele. Nunca houve estórias neste sentido.

5. Dom Alberto é um verdadeiro pai para todos os Seminaristas. O que eu vi nele, vi em muitos poucos Bispos (talvez até dê pra contar nos dedos) do zelo pelo Seminário, da presença quase rotineira, do carinho e da confiança que ele tem por cada Seminarista. 

6. Além das conversas, apoio moral e espiritual, Dom Alberto também é um pai no sentido daquele que provê. Em 2015 ganhei uma oportunidade de estudar em São Paulo um curso na área de comunicação promovido num convênio da PUC/SP e SEPAC/Paulinas. Dom Alberto não só garantiu para mim a parte burocrática (pedido de bolsa, etc), como ajudou com as passagens e acreditou em mim. Depois, tal confiança novamente se manifestou no período que prestei serviço à Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM Brasil) e à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, Regional Norte 2 (Pará e Amapá), onde sempre contei com seu apoio.  

Por outro lado, convivi com alguns dos quatro ex-seminaristas que agora o denunciam por supostos abusos. Não vejo necessidade e nem me animo para falar deles. O que eles merecem de mim - e tem - é a compaixão que se manifesta nas muitas orações que tenho feito por eles nestes últimos dias. A Misericórdia do Senhor os alcançará e o mal feito hoje não é a Dom Alberto, é à Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo, e lamento muito terem se afastado desta Igreja que foi - e continua sendo - uma Mãe para vocês!

Por fim, reforço que ao longos destes quase onze anos de Dom Alberto em Belém, NUNCA fui assediado e NUNCA ouvi/vi nenhum relato por parte de qualquer irmão meu que pudesse ter sofrido também algum abuso. Ademais, em todas as conversas que tive com o Arcebispo, sequer a porta era trancada, e o ambiente (casa ou escritório) sempre estava com seus habituais moradores/funcionários. 

A vocês, meus irmãos, amigos, familiares, pessoas que talvez eu nem conheça mas estão lendo isto aqui, peço suas orações! Rezemos pela Igreja, por Dom Alberto, pelas vocações e por este tempo bonito de provação que estamos passando. Que saibamos ser sábios e apegarmo-nos à Cruz de Cristo com serenidade e firmeza, sem medo, sem temor, sem receios. Após a escuridão do Calvário, resplandecerá para nós a beleza do "Dia do Senhor", amanheceremos na Glória da Verdade, da Ressurreição! A Cruz não é o fim!


quinta-feira, 22 de outubro de 2020

O Anjo da Igreja de Belém


Dom Vicente Zico na Capela da Residência Arquiepiscopal de Belém. Foto: Luiz Estumano.


           
Quanto cabe de saudade dentro de uma data? O 22 de outubro é, sem dúvida, um daqueles dias marcados da lembrança de um anjo que, cá na terra conosco esteve, e fez de Belém sua casa por mais de três décadas. Dom Vicente Zico chegou na capital paraense no começo do ano de 1981. Deixou esta cidade só quando partiu para a Pátria Celeste, donde ninguém nunca duvidou que lhe havia um lugar, em 04 de maio de 2015. Se vivo estivesse, em um dia como hoje (22/10), "Dom Zico" estaria celebrando conosco seus 70 anos de vida sacerdotal. Mas quem é que duvida que hoje o Céu une-se a nós, Igreja Celeste e Igreja Terrestre, unidas e alegres celebrando os 70 anos de um sacerdócio fecundo que deixou rastros de Deus em todos que direta ou indiretamente foram tocados por este servo de Deus?

            Não há de se negar, o ministério sacerdotal de um padre ultrapassa a efêmera vida terrestre do mesmo. Quando fecundo, pode o padre não estar mais fisicamente conosco, mas seu legado permanece vivo em nosso meio porque transpareceu naquele sacerdote a face, o amor e o carinho de um Deus imortal.

            Com Dom Zico foi assim: nascido em Luz-MG em 27 de janeiro de 1927, numa família católica, aprendeu de seus pais, Zico e Anita, o valor da fé e o dom da partilha com seus sete irmãos. No túmulo de sua mãe, no Cemitério de Bonfim-MG, compreendemos o contexto daquele lar: "Esposa e mãe, fez da vida um grande altar e fez do lar uma floração de amor dos oito filhos, que geração bendita! Uma filha é religiosa carmelita. E três filhos são Ministros do Senhor!". De fato, Belchior e Tobias, seus irmãos, logo cedo descobriram a beleza do serviço ao Senhor e iniciaram os estudos no Seminário do Caraça, em Minas Gerais. Tocado pelas palavras lidas em cartas enviadas por seu irmão Belchior (que mais tarde tornou-se bispo também), Dom Vicente aos onze anos também foi para o mesmo Seminário de seus irmãos, posteriormente foi estudar Filosofia e Teologia no Seminário Maior de Petrópolis, da Congregação da Missão (Padres Lazaristas). Neste ínterim, viu eclodir a Segunda Guerra Mundial e a convocação para se alistar no serviço militar, o que exigiu-lhe pesados treinamentos e, pasme, até escola de tiros de guerra. Passou a guerra. Não passou, entretanto, a vontade do jovem Vicente de alistar-se ao exército de Nosso Senhor cuja conquista almejada eram almas, cada vez mais almas. E assim, em 22 de outubro de 1950, na cidade de Petrópolis, foi ordenado presbítero da Santa Igreja, recebendo o Sacramento da Ordem pelas mãos de Dom Jorge Marcos de Oliveira, então Bispo Auxiliar de São Sebastião do Rio de Janeiro. Era o começo de uma jornada de bênçãos.

            O início do seu ministério sacerdotal foi marcado pela formação de novos padres dentro de sua congregação religiosa. O Padre Vicente Zico ocupou cargos de prefeito de Seminário e professor entre os estados nordestinos do Pernambuco, Maranhão e Ceará. Depois foi eleito conselheiro provincial da Província Lazarista do Rio de Janeiro, e posteriormente eleito conselheiro geral da Congregação da Missão, na Cúria Generalícia em Roma, Itália. E nesse cargo ele esteve até 05 de dezembro de 1980, quando foi nomeado pelo Papa João Paulo II, o Arcebispo Coadjutor da Arquidiocese de Belém-PA. Recebeu a ordenação episcopal um mês depois com outros dez bispos eleitos, na Basílica de São Pedro, em Roma, das mãos do próprio Papa, hoje santo, João Paulo II.

            E, se é pelos frutos que conhecemos as árvores (Lc 6,44), não temos dúvida que a santidade de São João Paulo II, a quem Dom Vicente sempre devotou profundo amor filial, germinou também santidade no ministério do bispo mineiro que, no Pará, realizou-se.

            Profundo devoto de Nossa Senhora, não tardou para que ele se apaixonasse pelas terras morenas onde encontrada foi, por um caboclo, a pequena imagem daquela que seria Rainha da Amazônia. Imaginemos quanta graça para um sacerdote, devoto da Virgem Santíssima, exercer seu ministério nesta Arquidiocese... “Cum Maria Matre Iesu”, seu lema episcopal que demonstrava o programa de sua vida: em Belém, caminhar sempre com Maria, a Mãe de Jesus.

            Dos outubros que guardam histórias, chega também à memória a beleza do carinho de nosso povo por Dom Zico no momento que a Berlinda de Nossa Senhora de Nazaré ganha a Avenida homônima. A sacada de um apartamento no Edifício Manoel Pinto foi, por dez anos, a estação preferida do Arcebispo Emérito. Ali, daquele lugar, abundavam aos romeiros os sorrisos, acenos e – por que não? – lágrimas de um pastor que trazia consigo amor pelo seu povo. Até hoje, é impossível passar ali, em dia de Círio, e não recordar de Dom Zico. De modo espontâneo, quando os promesseiros da corda por lá passam, ainda gritam: “Dom Zico, Dom Zico, Dom Zico”. E até mesmo quem está “chegando agora” nesta vida de promesseiro da corda, grita e clama pelo “bom velhinho”. E certamente, do céu, ele continua distribuindo bênçãos, acenos e aquele sorriso inapagável da memória de quem o conheceu.

Dom Zico assistindo a passagem do Círio de Nazaré da sacada de um apartamento em 2013. Foto: Leonardo Monteiro.

            Assim era Dom Vicente Joaquim Zico: de fala mansa, mas eloquente na pregação da Palavra. Possuía uma retórica fabulosa. As homilias eram verdadeiras gotas de sabedoria. Mais que isso, a convivência com ele inspirava serenidade e doçura. Com Dom Vicente ao lado se reconstruía, em cada um de nós, a gramática da bondade, da ternura de Deus. Foi Santa Teresa de Calcutá quem disse que a ninguém é permitido sair da nossa presença sem se sentir melhor e mais feliz. Em Dom Zico estava a concretude destas palavras.

            Em 22 de outubro de 2014, Deus nos concedeu a graça de celebrar com Dom Vicente seu aniversário sacerdotal pela última vez. Nesta ocasião, em sua homilia, recordou as “felizes coincidências” da data de sua ordenação: o clima espiritual de Círio, a data de lançamento da pedra fundamental da Basílica Santuário de Nazaré (1909) e o início do ministério petrino de São João Paulo II (1978). A dada altura, disse ele: “estou consciente que a vida de um padre é vida exigente de ser testemunha de doação sincera a Deus, doação total, e manifestar – como gosta de falar o Papa Francisco – a alegria da doação, da missão”.

            Nesta certeza, nos prazerosos cinco anos de convivência que pôde ter com Dom Vicente, nosso Arcebispo, Dom Alberto Taveira Corrêa, o chamou várias vezes de “Anjo da Igreja de Belém”. Hoje, portanto, como dito no começo desta, unem-se Céus e Terras para, em coro uníssono, entoar louvores a Deus por ter dado a nossa Igreja de Belém, Dom Vicente Joaquim Zico. E, para finalizar, trago as palavras de São João Paulo II em missiva enviada a Dom Vicente, datada de 22 de setembro de 2000, por ocasião do Jubileu de Ouro Sacerdotal de nosso “Anjo”:

“Na tua vida iluminada pelo Evangelho, recordo alguns acontecimentos de maior relevo, informado dos teus dotes de inteligência (e de espírito) e das virtudes especiais que procuraste desenvolver ao longo dos anos, sempre solícito no cumprimento da vontade de Deus...”

Vivas a nosso Dom Zico, Anjo da Guarda de nossa Igreja Particular de Santa Maria de Belém!

 

·         Referências Bibliográficas:

 

FONSECA, Maria de Fátima da; BONNA, Mízar Klautau. Fragmentos da Vida de Dom Vicente Zico. 2ª ed. Belém: Marques Editora, 2011.

RAMOS, Dom Alberto Gaudêncio. Cronologia Eclesiástica do Pará. Belém: Gráfica Falangola, 1985.

ZICO, Dom Vicente Joaquim. Escritos Pastorais. Belém: Arquidiocese de Belém, 2000.

ZICO, Dom Vicente Joaquim. Homilia 22 Out 2014 Qua 18h Dom Vicente Joaquim Zico, CM Arcebispo Emérito de Belém. (15m40s). Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=KVFY4kiwFq8>. Acesso em: 21 out. 2020.

 


domingo, 11 de outubro de 2020

Círio-Sentido




Carregando a imagem nos braços, percebi que a própria Virgem Santíssima me carregava no colo... E tanta coisa eu pude ali lhe falar, sussurar-lhe a angústia de viver este Círio de modo diferente. 


Propus-me, então, a consagrar-lhe meus sentidos, como no cântico tradicional de consagração. 



- Consagro a vós meus olhos! 

Neste Círio, Senhora de Nazaré, muitos olhares se colocaram sobre tua pequena imagem. Quase sempre, marejados de lágrimas, estes olhos te expressavam a dor da distância física, a dor de saudade. 

Com meus olhos, Senhora de Nazaré, tive a responsabilidade de mostrar tua festa, capturar imagens que tentem registrar o milagre inexplicável da fé do teu povo. 



- Consagro a vós os meus ouvidos e minha boca!

Silêncio! Na Metrópole da Amazônia, Outubro é festivo, mas desta vez foi silencioso. Ali eu estava embalado somente pelo som da Tua Basílica e do cantar das aves, quis fazer daquele som a voz de todo povo que almejava estar ali gritando teus "Vivas". Diante da tua Imagem, pude eu falar contigo e sentir que falava em nome de tanta gente, tanta gente... Minha voz, então, tornou-se uma súplica por tantos familiares e amigos, gente querida que também te ama, Senhora de Nazaré.




- Consagro a vós o meu sentir!

O cheiro das rosas de tua berlinda, Senhora de Nazaré, me fizeram recordar o cheio do povo, perfume do povo (grego, Laos + nardo - Leonardo), que muitas vezes para nós pode ser desagradável, mas para ti é o mais perfeito sinal do amor-sacrifício, do amor que não conhece o limite quando é chamado à gratitude... Senti também tua Imagem em meus braços e me lancei ao teu colo, porque se nele está Jesus, eu também quero lá estar. 




Obrigado, Senhora de Nazaré. Somente, obrigado! ❤️ 

#cirio2020 #ciriodenazare #nazare #cirio

terça-feira, 8 de setembro de 2020

Da Nazaré: lições de um peregrino em serviço

Eu era pequeno e já ouvia falarem de uma certa Nazaré de Portugal. Com o coração preenchido, totalmente abastecido com o fervor da devoção nazarena na minha terra, Belém do Pará, nunca fui atrás de saber mais... Entretanto, chegou o dia em que pude, enfim, conhecer o Município da Nazaré. 


Recém-chegado à Lisboa, posso dizer com todas as letras e vírgulas que foi Nossa Senhora da Nazaré quem me recebeu. Ocorreu que, meu voo chegau na capital portuguesa logo cedo, por volta das 6h. Pelas 10h eu já devia estar por Nazaré para algumas reuniões de planejamento do evento que eu estava a trabalho - a saber, estive com uma comitiva de paraenses participando de um evento promovido pela Câmara Municipal da Nazaré (uma espécie de prefeitura para eles), cujo objetivo era promover a candidatura do Culto à Nossa Senhora da Nazaré como patrimônio imaterial da humanidade, título conferido pela UNESCO. A presença de uma comitiva paraense seria, assim, uma grande expressão de apoio à candidatura, haja vista que somos a maior comunidade de devoção nazarena do mundo, vide o Círio de Nazaré.
Tendo feito chek-in no hotel e tomado um café numa saborosa padaria, à frente do mesmo, peguei a mochila e me pus a caminho da Nazaré, sem saber muito o que ia encontrar. Embora cansado - muito cansado após 13h de conexão em Brasília e mais 8h de voo -, fiz questão de ir com olhos bem abertos para enxergar tudo naquele caminho, afinal, eu estava em outro país, finalmente na Europaaaaa! 
Tudo belo! Me chamou a atenção uma cidade que tinha o nome de Caldas da Rainha - isso não tem nada a ver com o propósito deste texto, mas vai que vocês também achem engraçado, k k k. Ok, chegamos em Nazaré. A rodoviária fica logo no início da cidade. João Paulo Cruz era o jornalista que me acompanhava. Descendo do ônibus ele me disse: "olha, não sei você, mas eu gosto de andar, você se importa se não tomamos um autocarro?" (autocarro é como eles chamam os ônibus). Eu concordei de andarmos e... nossa! Escolha acertada, embora eu tenha me cansado mais ainda. 
Andando por Nazaré




Vamos, então, falar da cidade, antes de entrar na devoção mariana. Nazaré é bem mais famosa por ser a tal cidade das ondas gigantescas de recordes mundiais, o que atrai entre outubro e janeiro, muitos surfistas e espectadores de espetáculos marítimos. Ainda que tenha este potencial turístico, a cidade é pacata, simples e não esbanja grande luxo em suas habitações. Só se percebe o grande potencial turístico pela grande malha hoteleira e gastronômica da cidade costeira. Segundo o Google Maps, a cidade fica a 122 km de Lisboa. A passagem de autocarro não custou mais que 15 euros. Antes que perguntem, infelizmente eu não vi as ondas gigantescas. Alguns poucos colegas da comitiva chegaram a ver uma ou outra, no amanhecer. Mas, talvez, pelo nosso tempo super apertado por conta do evento que estávamos, acabamos por perder alguma. 
No município da Nazaré há uma tradição curiosa entre as mulheres. Conta-se que, à espera de seus maridos pescadores, elas usavam sete saias que iam tirando conforme as sete ondas gigantes que marcavam o tempo do retorno deles. Essa foi a versão que ouvi ao pé do ouvido. No site da Câmara Municipal, há uma melhor e mais ampla explicação: "As sete saias fazem parte da tradição, do mito e das lendas desta terra tão intimamente ligada ao mar. O povo diz que representam as sete virtudes; os sete dias da semana; as sete cores do arco-íris; as sete ondas do mar, entre outras atribuições bíblicas, míticas e mágicas que envolvem o número sete.
De facto, a origem não é de simples explicação e a opinião dos estudiosos e conhecedores da matéria sobre o uso de sete saias não é coincidente nem conclusiva. No entanto, num ponto, todos parecem estar de acordo: as várias saias (sete ou não) da mulher da Nazaré estão sempre relacionadas com a vida do mar.
As nazarenas tinham o hábito de esperar os maridos e filhos, da volta da pesca, na praia, sentadas no areal, passando aí muitas horas de vigília. Usavam as várias saias para se cobrirem, as de cima para protegerem a cabeça e ombros do frio e da maresia e as restantes a taparem as pernas, estando desse modo sempre compostas”.
É válido de memória também a apresentação cultural que presenciei por parte dos munícipes. Eles foram extremamente receptivos conosco e nos brindaram com uma noite cultural onde apresentaram a dança deles, uma coisa linda!!!! Nunca vi nada igual. Chama-se o corridinho e o vira, eles dançam descalços, como dançavam, na praia, pescadores e peixeiras, ao som dos rudimentares instrumentos usados nas festas da classe piscatória. 




Preciso ainda destacar o pôr do sol que tive àquele dia. Sem sombra de dúvidas, um dos mais lindos da minha vida. Tenho a leve impressão de ter sido o mais especial para mim até hoje. Deixo que as fotos expliquem a vocês o porquê...




Devoção - Desculpe o rodeio para chegar aqui, penso que seja legal ter falado das saias e do pouco que vi da cidade. Nazaré é muito mais que mar e saia! Nazaré é Nazaré: casa da Virgem Maria,lar de uma família: a cristã!

Cheguei ali com a câmera na mão e com o coração no Céu! Descobri, então, tudo o que tinha ignorado saber na infância. A devoção a Nossa Senhora em Portugal é muito mais antiga que a devoção a Nossa Senhora de Fátima (103 anos). O início da devoção nazarena remonta ao Século XII, quando em 14/09/1182, por um milagre, Dom Fuas Roupinho, um nobre guerreiro que cavalgava (em atividade de caça) em um penhasco encoberto por um nevoeiro, teve sua vida salva após invocar a proteção da Doce Maria: "Senhora, valei-me!", disse ele ao perceber que estava em uma falésia pronto a cair por mais de 100 metros em queda livre, no exato local onde havia numa gruta, uma imagem da Virgem Maria (imagem que acredita-se tenha sido esculpida por São José e peregrinado por diversas partes do mundo, partindo da Galiléia até chegar em Portugal trazida por um frade). Desta invocação feita no chamado "Bico do Milagre", Dom Fuas não despenhou-se e soube ser grato por isso, mandou seus companheiros erguerem ali uma capela, o que hoje é chamada Ermida da Memória (foto abaixo). Ao pegarem pedras para a construção da ermida, os homens acharam um cofre com relíquias de São Brás e São Bartolomeu e um pergaminho que dava a autenticidade da imagem. A imagem, pode ser assim, o ícone mais antigo de devoção mariana no mundo.




Em 1377, o rei dom Fernando mandou construir uma Igreja próximo à Ermida. A Igreja comportaria mais gente, haja vista o alto número de devotos que por ali passavam. Conta-se que até São Francisco Xavier, Pedro Álvares Cabral e Vasco da Gama (tanto antes, quanto depois de descobrir a Índia) passaram por Nazaré para rezarem.






A Igreja que hoje ganhou o título de Santuário é belíssima. Está em formato de cruz latina, possui mais de .6.500 azulejos importados no Século XVII da Holanda. O atual reitor é o Pe. Paolo Lagatta, um italiano e jovem padre, com pouquíssimos anos de ordenado. A Igreja possui ainda relíquias, imagens doadas pela rainha Leonor de Áustria que passou pelo local e deixou de oferta tais lembranças antes de ser Rainha da França. No altar-mor conserva-se a imagem original, já em estado avançado, mas com toda dignidade que merece aquela representação simbólica da Mãe de Deus. É possível subir com autorização do Reitor, somente. O acesso se dá por uma escada pela Sacristia, outra obra de arte o templo, repleta de azulejos brancos e azuis e móveis dos séculos medievais. A Igreja, a Ermida da Memória e o Palácio Real, uma casa que já serviu de abrigo aos reis e rainhas que passaram ali em veneração à Virgem, compõem o que os portugueses chamam de Sítio da Nazaré, local que tive a graça de conhecer e espero, um dia voltar, acompanhado, quem sabe, por você que até aqui acompanhou meu relato...



Permitam-me um apêndice com imagens da Senhora da Nazaré que compõem um acervo no Museu da Igreja, são imagens belas e históricas. Infelizmente, a maioria eu cortei na foto os textos-legenda com o histórico... Perdão!