Depois de
uma exaustiva semana de trabalho entre Lisboa e a charmosa cidade da Nazaré,
minha aventura em Portugal se aproximava do fim. Por sorte, ganhei dois dias e
meio de folga. Fiquei a semana toda planejando a folga e, chegado o domingo,
ainda estava indeciso. De última hora fiz cálculos de tempo, distância (pra quem vive num Brasil, calcular
distância em Portugal não é uma dificuldade), e contei com a preciosa ajuda
da jornalista Gracielle e do Jorge, cinegrafista da Tv Canção Nova. Ambos moram
em Fátima. Ela é do Rio de Janeiro, ele é 'nascido e criado' em Fátima. Decidi
pegar a carona deles. Não sabia onde ficar, e a Canção Nova me acolheu na sua
casa de missão, cujo nome é: "Casa de Maria". Não bastasse ir à
cidade, eu me hospedaria também na Casa de Maria. Entendi que meu destino
estava seguro!
Com dicas
preciosas de quem mora na cidade, fui chegando em Fátima no final da tarde
daquele domingo, 26/01. Fazia uma tarde linda. Linda e frienta! Os termômetros
marcavam 10ºC. Como o Santuário de Fátima é aberto 24h, me deixaram – porque
ainda tinham que trabalhar – em Aljustrel.
Aljustrel é
uma vila que dá a impressão de ter parado no tempo. Lá ainda existe a casa onde
moraram os Pastorinhos. Entrei na casa dos pais de Francisco e Jacinta. Encontrei
a sobrinha dos dois santos, administradora de uma lojinha (em Fátima há
lojinhas por todos os cantos). Acostumada com tietagens, não hesitei em
pedir-lhe uma foto. Depois entrei na casa e fiquei profundamente tocado com a
simplicidade, a humildade, a pobreza do lugar. Cada passo que eu dava, meu
coração suspirava: “tão pobre e tão rica, feliz casa!”. Os cômodos eram
estreitos, o piso de madeira era nitidamente novo, reformado para acolher
melhor os turistas.
Um momento
merece muito destaque, caro(a) leitor(a): o momento que entrei precisamente nos
quartos onde nasceram e morreram Francisco e Jacinta. Ambos viveram somente dez
anos “cá na terra”, como diriam os portugueses. Ao entrar no quarto dele, senti
profundamente a santidade daquele lugar, espaço pequeno, outras camas (não eram
quartos individuais). Não segurei o choro, deixei no moderno piso, da arcaica
casa, as minhas lágrimas, preciosas para mim, derramadas sem que eu entendesse
o porquê. Rezei! Saí e me apressei.
Na casa de Lúcia
senti o mesmo espírito, mas, de modo diferente. Fui movido pela curiosidade. Ao
lado da casa, há um museu que conta a história social daquele povo: como
viviam, se vestiam, etc. De repente, 18h e tudo se fechou. Ensaiei subir ao
Santuário de Fátima a pé (cerca de 2km) pelo caminho da Via Sacra, conforme
Jorge e Gracielle me indicaram. Porém, o espírito brasileiro gritou, fiquei
“cabreiro” com aquele lugar soturno, o medo me impediu de avançar as estações. Mas,
e agora, como sair dali? As lojas já estavam todas fechadas, ninguém na rua.
Fiquei nervoso! “Nossa Senhora, como agora vou sair daqui?”, clamava
inquietamente no meu coração. O “Uber” não funcionava há dias, os táxis lá só
funcionam se você liga e pede um. Daí notei uma loja fechada cor três jovens
irmãos lá dentro fazendo o trabalho da contabilidade. Hesitei, mas pedi ajuda. Estava
com preconceito: “esses europeus são duros, vão querer que o brasileiro
solitário se lasque”. Ledo engano! Eu não estava na casa e a cidade de Maria, o
que temer? Foram totalmente simpáticos, confesso que fiquei muito surpreso (ao
longo do que já tinha passado em Portugal, já estava com um certo trauma do
jeito europeu de tratar as pessoas, mas isso é assunto para outra crônica,
talvez!). Chamaram-me um táxi e fui ao Santuário (Basílica). Era exatamente
18h40. Tudo escuro! Embora febril, não sentia fome e nem cansaço, só desejo em
descobrir tudo naquele lugar.
Comecei
pela moderna Basílica da Santíssima Trindade, datada de 2007. A saber, é o
quarto maior templo católico do mundo: abriga 8,6 mil pessoas sentadas, possui
18 metros de altura e outros números e detalhes que alongariam este artigo. Ali
fiquei pouco tempo, mas óbvio, fiz fotos. Dos pocuos presentes, havia um casal
de orientais, e nessa hora a gente lembra com saudade das aulas de inglês do
fundamental. “Excuse me”, balbuciei.
Ela comentou algo com o marido na sua língua. Será que me xingou?! Bom,
“please, photo?!”, falei entregando o celular com a câmera já ligada. Foto
garantida, saí da Basílica gargalhando com medo de estar sendo um bobo, mas com
nossa Mãe, quem se importa de pagar um mico desses?
A grande
verdade, meus amigos, é essa: eu estava mesmo me sentindo em casa. Olha, em
poucos lugares na vida eu me senti tão leve como ali. Andava sem sentir o chão,
vivia um sonho! Saindo da Basílica, deparei-me com a Basílica de Nossa Senhora
do Rosário, aquela que eu só via como cenário de fundo nos grandes eventos de
Fátima. Lágrimas novamente, mais alguns passos para atravessar a enorme praça
que tinha, ao meio, o Sagrado Coração de Jesus de braços abertos e, ao seu
lado, a famosa Capelinha das Aparições. Preferi ir logo na Basílica onde
ocorria a Santa Missa. Lá estão os túmulos dos pastorinhos, novamente rezei
emocionado entregando minha vida a Nossa Senhora, recomendando minha família,
meus amigos, nossos governantes, nossos sacerdotes, nossa Arquidiocese de
Belém, enfim.
Saindo de
lá, fui à Capela das Aparições. Local exato onde em 13 de maio de 1917 apareceu
a Virgem Maria. Ali tem uma bonita imagem – cujo centenário celebra-se neste
ano, – que foi esculpida conforme o relato dos pastorinhos para ficar o mais
parecida possível com as feições contempladas pelos olhos deles. E eu, olhava
para aquela imagem e pensava a mesma coisa, “agora são meus olhos que tentam contemplar
a tua beleza!”. Sentado à espera do início do terço, abusei da imaginação dos
meus sentidos. Fiquei pensando como devia ser a voz de Nossa Senhora, a
imaginei falando português, será que havia algum sotaque? Depois fiquei
pensando como era aquela Cova da Iria, feita de campo, com árvores, um terreno
irregular… Que cheiro exalava dali? O perfume floral. Olhei ao redor da imagem,
quantas e quantas flores a rodeavam. Poderia aplicar aqui um pensamento do
escritor Vitorino Nemésio, que diz: “Em Fátima a nossa humanidade passou a
valer mais”. É fato, ali despertei muito mais que meus sentidos, despertei um
coração que dentro de mim batia. A temperatura tinha caído muito, já faziam 7ºC
e meus melhores cobertores estavam na mala. No corpo, o frio me maltratava (e
eu já vinha há dias doentes, até mesmo com febre), mas o meu coração estava
totalmente aquecido. Isso me fazia suportar qualquer intempérie que
surgisse.
Deveria ser
meu último momento em Fátima. A ideia era dormir na “Casa de Maria” e, cedo,
comprar umas lembrancinhas e partir para “ganhar o dia” na famosa cidade do
Porto (de onde eu retornaria para Brasília). Era esse o plano. Dormi, com muita
dificuldade por conta do frio (4ºC). Debaixo de tantos panos e, até de calça
jeans, me gabei de estar dormindo uma noite em Fátima, no lugar cujo nome me
falava tanto.
No outro
dia, não tão cedo, acordei com vozes na casa. Dormi numa casa “vazia” e acordei
com a mesma sendo povoada. Eram poucos membros da Comunidade Canção Nova que
cuidam daquela que é uma casa de retiros, encontros. Agradeci a confiança, bem
brasileira, de abrir as portas de casa para um desconhecido, me responderam:
“nossa Mãe é uma só, e no colo dela a gente se reconhece”. Profundo!
Avante. Fui
fazer as tal comprinhas. Não resisti de passar nos fundos do Santuário de
Fátima. Novamente entrei. Percorri aquele lugar e fui descobrindo cada cantinho
que, na noite anterior, me tinha escapado o olhar. Daí a programação começou a
desandar e o Porto me foi ficando distante. Depois eu descobri que minha âncora
estava mesmo em Fátima. Mas, o fato é que fui pedir ajuda no Pronto-Socorro do
Santuário. Não estava me alimentando bem por conta de gengivas inflamadas e a
febre não tinha passado. A médica ainda não tinha chegado e me pediram pra
esperar. Impaciente como sou, esperei até demais. Desisti e fui atendido por
uma enfermeira que lá estava. Com pressão e temperatura um pouco elevada, ela
me sugeriu ver a questão da gengiva num odontólogo mais adiante. Saí de lá caçando
o dentista. Não demorou e eu o encontrei. Entrei no consultório com a dor na
boca e no bolso, meus olhos procuravam a tabela de preços da consulta. Não
havia nada. A atendente me disse que cada consulta tinha um preço, naquele
jeitinho brasileiro eu disse, “ah, bom, é só uma gengiva inflamada, nada
demais”. Ela disse, “certamente o doutor lhe pedirá 50 euros”. Aí, meus amigos,
caí na tentação clássica do turista brasileiro de avaliar quanto seria isso em
reais. Daria em torno de R$ 240. Socorro! A vontade era correr dali, mas o bom
senso me pediu para ficar. Em Fátima há imagem da Virgem por todo canto, e no
consultório não era diferente. Havia uma imagem dela, eu olhei e pedi que ela
me ajudasse que não fosse nada grave e que minha carteira não sofresse um
abuso. O dentista examinou-me, deu um ralho pela minha demora em buscar socorro
e passou o receituário médico. Agradecido e, ainda, nervoso, perguntei quanto
custou a consulta. “Nada, já está pago, fique tranquilo e vá logo comprar esses
remédios!”, disse. Imediatamente eu já sabia quem pagou a consulta.
Com
remédios em mãos, pude embarcar para o Porto já no final daquela tarde que, por
mim, não acabaria. Foi minha última tarde em Fátima. Chovia uma “garoa”
quando saí de lá. Puxando a mala, decidi ir andando até a rodoviária, misturei,
por fim, minhas lágrimas àquelas gotículas que caiam do Céu onde apareceu a
Virgem Maria, conforme cantamos.
Pude
testemunhar, e encerro esta crônica assim, que Fátima é, como diz o Cardeal
Tolentino de Mendonça, “um lugar de lentidão onde se dialoga com a crise e de
onde se sai mais humano”. Não fui mais o mesmo após sair dali. A Virgem de
Fátima sempre venerada em casa, porque minha mãe é consagrada a ela, nunca foi
tão próxima de mim, ainda que todos os anos, desde pequeno, eu caminhasse com
minha vela acesa na bonita procissão em Belém que agrega mais de 250 mil
pessoas. Bastou-me dois dias em Fátima e eu retornei para o berço da minha
devoção mariana de infância. E tal como em 1917, no contexto da I Guerra
Mundial quando Nossa Senhora apareceu, ainda hoje Fátima continua a mostrar o
cuidado que Deus tem pela humanidade, sobretudo nos momentos em que esta se
percebe frágil e vulnerável.
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